Então ela volta para namorada dela e eu volto para minha e cada uma segue em uma direção. Simples assim. Não teria por que não ser simples, não é mesmo? Cada uma vai para o seu lado e acabou. Certa vez ela me falou sobre o episódio de Friends em que o Ross casa com a Emily, mas no altar fala o nome da Rachel e depois de muitas temporadas, acaba ficando mesmo com a Rachel. Foi na segunda-feira após a nossa fuga épica, quando ficamos conversando por celular enquanto eu pensava no que fazer da minha vida, sentada sozinha no Ibirapuera. Ela tinha saído do trabalho e ido almoçar em casa, aí ligou a TV e estava passando exatamente esse episódio. Ri desse acontecimento insano, como se o universo nos falasse que seríamos no Rachel e Ross. Hoje não vejo mais dessa maneira.
Não que eu não queira mais ver. Eu só não consigo enxergar o que eu enxergava antes. Ela continua sendo a mesma pessoa pela qual me apaixonei sentada naquele bar. Aquela com a qual tomei inúmeras doses de vodka. Aquela que me apresentou Carol Teixeira e Brollies & Apples. Aquela que me fez sentir borboletas no estômago a cada ligação. Aquela que me fez ficar com sorrisos bobos no rosto durante o dia inteiro. Mas alguma coisa mudou. Se não dá para ser, se não dá para ter, por que insistir?
Não sei. Às vezes estou conversando com outras pessoas e de repente a maneira como dizem algo ou agem de certa forma, me lembram o jeito dela, às vezes é como se todas as pessoas passassem a agir e a falar como ela. Aí começo a pensar em como eu projeto e exteriorizo as coisas. Vejo coisas que nem sequer estão ali, pelo simples fato de querer vê-las. Lembrei do Caio: “Ah, fumarás demais, beberás em excesso, aborrecerás todos os amigos com tuas histórias desesperadas, noites e noites a fio permanecerás insone, a fantasia desenfreada e o sexo em brasa, dormirás dias adentro, noites afora, faltarás ao trabalho, escreverás cartas que não serão nunca enviadas, consultarás búzios, números, cartas e astros, pensarás em fugas e suicídios em cada minuto de cada novo dia, chorarás desamparado atravessando madrugadas em tua cama vazia, não consegurás sorrir nem caminhar alheio pelas ruas sem descobrires em algum jeito alheio o jeito exato dele, em algum cheiro estranho o cheiro preciso dele(…)”
Não sei. “Não sei amar pela metade. Não sei viver de mentira. Não sei voar de pés no chão”, assim como a Clarice. Se não dá para ser por inteiro, que não seja. Nada de pedacinhos. Migalhas dormidas do teu pão? Raspas e restos não me interessam mais. Nem pequenas porções de ilusões. Talvez tenha um pequeno espaço para mentiras sinceras. Nada mais. Pode parecer hipocrisia eu falar isso quando estou oferecendo exatamente o que estou recusando para a pessoa com a qual estou tendo um relacionamento sério. Não quero dar só restos, migalhas e pedacinhos para ela. Por isso quero recusar todo e qualquer resto, migalha e/ou pedacinho.
Não sei. Quero algo que seja completo. “Sê inteiro em tudo que fazes”, como Fernando Pessoa. Não dá para fingir que não aconteceu nada, mas também não dá para continuar no meio-termo. Somos pessoas de extremos, lembra? Ou somos ou não somos. E já que não podemos ser, é melhor não sermos, não é mesmo?
Não sei. Ou melhor, acho que sei: ficarei com aquele sentimento do-que-poderia-ter-sido-e-não-foi. Quase um Manuel Bandeira em “Pneumotórax”. Shit. Enquanto escrevo isso ela acaba de me mandar um e-mail com um texto do Paulo Mendes Campos. Chama “Para Maria da Graça”. Vou ler. Depois continuo a escrever.
Li. Ele escreve para Maria da Graça falando sobre o livro Alice no País das Maravilhas. Sempre achei que essa não fosse uma história necessariamente feita para crianças. Descobri já faz um tempo que a realidade é louca e que seu eu não descobrir um sentido na loucura acabarei louca. Continuo não sabendo, mas “a alma da gente é uma máquina complicada que produz durante a vida toda uma quantidade imensa de camundongos que parecem hipopótamos e de rinocerontes que parecem camundongos”, como diz o conto.
Ah, me perdi toda nas divagações. É, eu sempre sou a Alice. Talvez estar/ser perdida não seja tão ruim assim. Bom-humor é a chave de tudo. Quer saber? Vou dar umas boas gargalhadas agora e esquecer toda essa merda que acabei de escrever. Afinal, já dizia o querido Caio que às vezes as palavras traem o que a gente sente. Não quero que elas me traiam, então vou parando por aqui.
Mais um pouco de Caio antes de terminar, vai: “Temo que seja outra vez aquela coisa piedosa, faminta, as pequenas-esperanças, mas quando desvio meu olho do teu, dentro de mim guardo sempre teu rosto e sei que por escolha impossível recuar para não ir até o fim e o fundo disso que nunca vivi antes e talvez tenha inventado apenas para me distrair nesses dias…”
E assim esqueço que não queria restos, migalhas e/ou pedacinhos. E aí lembro que só quero viver e aproveitar tudo o que a vida tem para me oferecer sem restrições, limites e imposições. Minha inconstância é incrível, não?