No domingo, saiu na Ilustríssima, da Folha de S. Paulo, uma matéria intitulada Os livros pensam a violência: “Homicídios crescem, a polícia faz ações destrambelhadas, PMs são mortos. Os números assustam e o governo admite uma ‘escalada na violência’. Em salas de aula e em pesquisas de campo, o tema fervilha. Livros, teses, mapas, estatísticas tentam decifrar o fenômeno e propor políticas para atacá-lo”.
Gabriel de Santis Feltran é um sociólogo que entrevistou lideranças e moradores de três bairros de Sapopemba. Ele escreve sobre a experiência em “Fronteiras de Tensão – Política e Violência nas Periferias de São Paulo”, considerada pela Associação Nacional de Pós-Graduação e Pesquisa em Ciências Sociais (Anpocs), a melhor tese de doutorado de 2009.
No livro, ele comenta que nessa área, últimos anos, a representatividade dos movimentos sociais diminuiu, o trabalho assalariado formal ficou escasso, o acesso às políticas sociais e ao crédito cresceu, com isso o crime avançou e passou a disputar a atração dos mais jovens. Ele fala sobre a relação entre traficantes e trabalhadores. “Os traficantes e ladrões pouco a pouco assumem o papel da força armada que regula as regras de convivência e faz a justiça no varejo, pelo debate constante de qualquer atitude considerada inadequada, ilegítima ou imoral”, comenta.
Feltran critica a “criminalização da pobreza”: a periferia é vista como lugar de bandido, como algo que não pode integrar e sim algo que se deve controlar e excluir. Outro sociólogo, Claudio Beato, constata que “o Brasil é, hoje, um dos países mais violentos do mundo, e sabemos pouco das razões dessa supremacia”. Homens, negros, moradores de periferias urbanas são as principais vítimas de homicídios no país.
“Todos os esforços de nosso sistema de Justiça e de organizações às voltas com segurança pública parecem proteger justamente aqueles que estão menos expostos à violência. A concentração de equipamentos de proteção social, bem como de recursos de segurança pública, se dá de forma desigual”, emenda Beato.
Michel Misse, 61, sociólogo da UFRJ, fala sobre os homicídios: “O aparelho policial não está no ar, está dentro da sociedade. Por exemplo, o modo pelo qual matamos ladrões. Não matamos assassinos, matamos ladrões! E jamais legalmente, aprovando a pena de morte. Matamos criminosamente, fazemos justiça com as próprias mãos. Um cara que em qualquer país do mundo pegaria cinco, oito anos de cadeia, aqui ele é morto sistematicamente desde meados dos anos 1950. Isso é um fenômeno estritamente brasileiro. Começou na época dos esquadrões da morte, depois se espalhou. Começou no Rio, em pleno governo JK, em plena bossa nova, num período desenvolvimentista”. Misse comenta isso e muito mais em “As Ciências Sociais e os Pioneiros nos Estudos sobre Crime, Violência e Direitos Humanos no Brasil”, livro com entrevistas de 14 intelectuais da área.
Paulo Sérgio Pinheiro integrante da Comissão da Verdade comenta que no Brasil, a democracia não acabou com a tortura. “A culpa de a tortura continuar não é da polícia. É culpa dos governos e dos políticos, que não querem fazer o jogo da verdade em relação ao problema da democracia e dos direitos humanos. O Brasil tem essa esquizofrenia de ser o país que mais mata suspeitos pelas polícias do Rio e de São Paulo. Os números do Rio e de São Paulo não se equiparam aos de nenhuma democracia do mundo”.
A matéria não ignora o caótico sistema carcerário do nosso país. O encarceramento é uma bomba retardada. 230 mil presos são provisórios, sem condenação. 20% dos encarcerados ou já cumpriram pena, ou nunca deveriam ter estado presos, ou deveriam ter recebido progressão da pena. Não há ressocialização nas prisões. Tem desde o sujeito que roubou leite para o filho até o matador, convivendo lado a lado. A prisão está produzindo delinquentes.
David Fonseca, da UFMG, fala mais sobre o tema em “Ambivalência, Contradição e Volatividade no Sistema Penal”. Ele diz que não há reintegração nem reabilitação, a prisão é como um gerenciador de “lixo”, de algo que não “serve” para a sociedade e deve ser mantido afastado.
“A prisão, em vez de ser o último recurso, funciona como um mecanismo de exclusão e controle, no qual os infratores são segregados e têm seus direitos completamente desconsiderados se eles oferecem um risco para a sociedade”, diz Fonseca.
Todos os autores concordam em um ponto: a questão da segurança não é pensada politicamente no Brasil, mas de um modo muito repressivo, muito primitivo, no sentido de que se quer uma vingança.
Outro ponto a ser visto, é que não basta combater apenas a pobreza. Políticas públicas voltadas para a educação e a cultura são indispensáveis para reverter esse quadro problemático.
PS.: Meu aniversário tá chegando e aceito de presente esses livros que citei no texto!